Páginas

domingo, 31 de agosto de 2025

Curiosidades da Bíblia: A cidade de Nínive

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre José Inácio de Medeiros, CSsR

 

‘A cidade de Nínive é uma das mais antigas e populosas da antiga Assíria. Localizada na Mesopotâmia, no atual Iraque, foi uma poderosa e importante metrópole da antiguidade. Localizada na margem leste do rio Tigre, defronte da moderna cidade de Mosul, Nínive se desenvolveu sob os reinados dos reis Senaqueribe e Assurbanípal no século VII a.C, mas depois entrou em decadência sendo sucessivamente dominada.

No tempo de sua glória o profeta Jonas, do reino de Israel que viveu por volta do século VIII a.C. foi chamado por Deus e enviado à Nínive para clamar pela sua conversão, alertando seus moradores do iminente castigo divino.

‘A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, filho de Amitai, dizendo : Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia chegou até à minha presença.  E levantou-se Jonas, e foi a Nínive, segundo a palavra do Senhor’. Ora, Nínive era uma cidade muito grande, de três dias de caminhada.

E começou Jonas a andar pela cidade, e pregando... E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior até ao menor.

Esta palavra chegou também ao rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou suas vestes reais, e cobriu-se de saco, e sentou-se sobre cinza. E fez uma proclamação que se divulgou em Nínive, dizendo : Nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem lhes dê alimentos, nem bebam água; Mas os homens e os animais sejam cobertos de sacos, e clamem fortemente a Deus, e convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos. Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?

E Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez (Jonas, cap. 03).

Glória e decadência de Nínive

As conquistas dos assírios os levaram a formar uma das grandes civilizações da antiguidade, que se estendia até os vales dos rios Tigre e Eufrates. Suas cidades mais importantes estavam situadas no território do atual Iraque.

Seu poder dependia quase que inteiramente da força militar. O rei era o comandante-em-chefe do exército e dirigia as campanhas militares. Embora fosse monarca absoluto, na realidade os nobres e cortesãos que o rodeavam, assim como os governadores que nomeava para administrar as terras conquistadas, tomavam frequentemente decisões em seu nome, por isso, as ambições e intrigas foram sempre uma ameaça para a vida do governante. Essa debilidade na organização e na administração do império será a maior responsável pela sua desintegração e colapso.

O fim do império ocorreu no ano de 612 a.C., quando o exército, comandado por seu último rei foi derrotado por uma coligação militar formada pelos caldeus e medos, povos vizinhos ao Reino Assírio. Com a derrota a cidade de Nínive foi destruída e todo o Império Assírio caiu sob a dominação do Segundo Império Babilônico.

O império foi se reergueu a partir de 1.300 a.C. perdurando até 612 a.C., legando à história características, como sua ‘máquina de guerra’ que compreendia a provável formação do primeiro exército que devia sua eficiência à sua organização funcional. Foi através dele que os assírios conseguiram submeter várias civilizações da Mesopotâmia. Os métodos de tortura e o destino dos derrotados como a prática do empalamento dos adversários colocavam medo em seus inimigos.

Entre seus governantes dois são mais destacados por levarem a civilização ao apogeu :

Senaqueribe (704–681 a.C.) : Sob seu reinado, Nínive foi transformada em uma das maiores cidades do mundo antigo, com um sistema avançado de aquedutos, jardins, palácios e templos. Ele construiu um imenso palácio, conhecido como o ‘Palácio sem Rival’, decorado com relevos detalhados que narravam suas campanhas militares e feitos.

Assurbanípal (668–627 a.C.) : O neto de Senaqueribe, Assurbanípal, é famoso por ter criado uma das primeiras bibliotecas do mundo, a Biblioteca de Nínive. Esta coleção monumental de tábuas de argila, escrita em escrita cuneiforme, continha textos literários, científicos e administrativos, incluindo a épica de Gilgamesh.

Descobertas Arqueológicas

Entre 1845 e 1851, foram realizadas várias escavações que revelaram os restos da antiga cidade de Nínive, trazendo à luz seus palácios, a grande muralha que cercava a cidade, portas monumentais e a famosa Biblioteca de Assurbanípal.

Atualmente, o sítio arqueológico de Nínive se encontra ameaçado tanto por conflitos regionais quanto por atividades humanas, como a expansão urbana de Mosul. A destruição causada pelo Estado Islâmico, que danificou partes significativas do local, representa uma perda irreparável para o patrimônio histórico global. No entanto, esforços contínuos de arqueólogos e historiadores visam preservar o que resta deste testemunho da antiga civilização assíria.

Nínive, portanto, permanece como um símbolo da ascensão e queda das grandes civilizações, mostrando tanto a grandiosidade da história humana quanto a fragilidade de seu legado.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2025-08/curiosidades-biblia-cidade-ninive.html

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Por que a Igreja celebra o nascimento e o martírio de São João Batista?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Rafael Beck Ferreira

 

‘Normalmente, a comemoração dos santos acontece na data da morte ou da canonização – celebramos apenas três natividades no calendário litúrgico : de Nosso Senhor Jesus, da Bem-aventurada Virgem Maria e de São João Batista. Isso porque desde os primeiros séculos, o dies natalis – o dia do nascimento para a vida eterna – era o dia do martírio de um santo, dia em que sua virtude era atestada no testemunho público e inequívoco da fé. No caso de João Batista, a Igreja celebra tanto a sua natividade com status de solenidade em 24 de junho e a memória litúrgica de seu martírio em 29 de agosto.

O nascimento de João Batista foi acontecimento agraciado, tal qual a encarnação do Verbo ou o nascimento de Maria, pois ele já nasceu com uma missão especial no plano da salvação : ser o precursor do Salvador. A Igreja canta nas laudes de seu martírio : ‘Logo ao nasceres não trazes mancha, João Batista, severo asceta, mártir potente, do ermo amigo, grande profeta’. O nascimento de João (cf. Lc 1,5-57) ensina que todos temos uma vocação, somos chamados à vida (vocação vem do latim vocare, chamar, convocar), ninguém é fruto do acaso, um ‘erro’ ou indesejado por Deus. O sentido da vida depende da resposta à pergunta existencial acerca do valor da vida, se vale a pena viver.

Certamente, a vida de João Batista não foi fácil, ele vivia no deserto alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, pregando um Batismo de conversão (cf. Mt 3,1-6). Sua pregação incomodou o rei Herodes Antipas e Herodíades, culminando em sua prisão e morte decapitado (cf. Mc 6,25). A atividade profética de João Batista às margens do Jordão, embora desafiadora e cheia de sacrifícios, rendeu muitos frutos. Às vezes pensamos que o sentido da vida só pode ser obtido quando alcançamos a felicidade ou galgamos realizações tangíveis, uma promoção, a aquisição de um bem desejado, conforto, mas o sentido da vida também pode ser encontrado no sofrimento. Escreve Viktor Frankl : ‘Não há sentido apenas no gozo da vida, que permite à pessoa a realização na experiência do que é belo, na experiência da arte ou da natureza. Também há sentido naquela vida que – como no campo de concentração – dificilmente oferece uma chance de se realizar criativamente e em termos de experiência, mas que lhe reserva apenas uma possibilidade de encontrar o sentido da existência, precisamente na atitude com que a pessoa se coloca face à restrição forçada que se fora sobre seu ser. (…) Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento o tem, o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo’¹.

João Batista pregava um Batismo de conversão e de confissão/remissão dos pecados, para que o povo de Israel abandonasse as obras das trevas e abrisse os corações para um futuro novo, para a vinda do Messias e Salvador. Celebrar o nascimento e a morte de João Batista é compreender que o último dos profetas não viveu para si, mas para Deus e os irmãos, sua vida foi um genuíno dom. A vida só tem sentido quando nos abrimos, quando alargamos os horizontes e deixamos de pensar apenas em nós, quando não nos autocentramos, mas queremos anunciar e revelar o rosto de Cristo. Por isso João Batista foi exemplo de humildade, colocando-se sempre em segundo plano, como ele mesmo disse : ‘É necessário que Ele cresça e que eu diminua’ (Jo 3,30)². O sentido da vida não está no engrandecimento do self, de nossa autoimagem, mas no esvaziamento até a entrega amorosa por um projeto de amor.

 No século XVII, Caravaggio pintou um quadro famoso retratando a decapitação de João Batista, com Salomé segurando uma bandeja de ouro, pronta para receber sua cabeça – a bandeja de ouro, o item que se destaca na escuridão da tela barroca ao lado do manto vermelho, reflete o valor e a preciosidade da vida de São João, da vida dos mártires que mesmo na morte brilharam a glória de Deus.’ 

Referências

¹ FRANKL, Viktor. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. São Paulo: Vozes, 1991, p. 50.

² CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. Tradução de Daniel de Oliveira e Daniel Costa. São Paulo: Custom, 2002. pp. 44-51.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/por-que-a-igreja-celebra-o-nascimento-e-o-martirio-de-sao-joao-batista.html

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Santo Agostinho: biografia e filosofia patrística

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Psicanálise e Cultura


Santo Agostinho, também chamado de Aurelius Agostines ou Agostinho de Hipona, foi um dos maiores filósofos da era patrística, considerado doutor da Igreja Católica. Nesse sentido, criou bases teóricas com doutrinas sobre o cristianismo, que, embora já existisse, não possuía uma doutrina para fundamentá-las.

Portanto, Santo Agostinho foi o precursor na criação do embasamento doutrinário para o cristianismo. Com um pensamento amplo, seus escritos tem relação com fé e razão, bem e mal e livre-arbítrio.

Biografia de Santo Agostinho

Nascido em 354 d.C., nasceu na cidade de Tagaste, então sob o domínio do Império Romano, hoje faz parte do território da Argélia, chamada Souk Ahras. Seu pai era pagão, o que era comum naquela época, tendo em vista ser o cristianismo recente e, ainda, diante dos conflitos com o império acerca da imagem de Jesus Cristo. Ao passo que sua mãe era uma cristã devota, mais tarde canonizada como Santa Mônica.

Aos 18 anos Agostinho se envolve amorosamente com uma mulher e teve um filho, Adeodato. O relacionamento perdurou por 13 anos, porém, era considerado pecaminoso pela Igreja. Além disso, após sua separação, Agostinho se envolve em casos com outras mulheres.

Com cerca de 30 anos passou a se interessar pelas pregações do Bispo Ambrósio, clérigo importante, que pregava questões eloquentes. Fato este que lhe ajudou em um período conturbado em sua vida, pois Agostinho se sentia desemparado espiritualmente por todas as doutrinas que procurou, como hedonismo, ceticismo e maniqueísmo.

Ainda, a história conta que Santo Agostinho, em um dia de extrema angústia, foi visitado por um ser iluminado que, possivelmente, era um anjo. Que, então, lhe entregou um livro, ordenando que o lesse : ’Toma e lê!’. Agostinho obedeceu, lendo a então Bíblia Sagrada e se restaurou, cedendo ao cristianismo como sua religião. Logo após, ele com seu filho Adeodato foram batizados pelo Bispo Ambrósio.

Em pouco tempo, Agostinho teve duas dolorosas perdas, com o falecimento de seu filho Adeodato e sua mãe Mônica. A partir disso, sua dedicação foi exclusiva à Igreja Católica, fundando uma nova ordem religiosa. E, logo após a morte do Bispo de Hipona, foi consagrado bispo da cidade, cargo que ficou até sua morte, em 430 d.C.

Formação de Santo Agostinho

Agostinho, em sua infância, foi educado em latim, e, aos 11 anos, levado a uma escola há 30 km de distância, onde aprendeu literatura e a cultura da civilização romana. Dentre os estudos, conheceu a filosofia através das obras de Marco Tulo Cícero (106 a.C – 43 a.C), destacando, após, que este foi o seu despertar para estudos filosóficos.

Logo, aos 17 anos, para estudar retórica, se mudou para Cartago, hoje Tunísia. Embora criado pela mãe segundo os princípios do cristianismo, aqui passou a ter posições contraditórias à sua fé. Quando então, adotou o maniqueísmo como doutrina, diz a história que, a partir de então, passou a viver prazeres mundanos.

Em razão de sua formação intelectual, voltou para sua cidade Tagaste e passou a dar aula como professor de gramática, aos 19 anos e, em seguida, também em Cartago. Após 10 anos, fundou uma escola em Roma, que não acabou dando certo. Neste tempo, já havia se distanciado do maniqueísmo, adotando as ideais do ceticismo.

Contudo, com seus estudos sobre lógica, retórica e filosofia, tornou-se um reconhecido professor de retórica do Império Romano. Nesse ínterim, em seus estudos, Agostinho buscava formas de encontrar um conforto espiritual. Aos 30 anos já tinha uma carreira intelectual notória, sobretudo quando passou a trabalhar como professor de retórica em Mediolano, hoje Milão.

Conversão de Santo Agostinho

Até então, ainda não teria aderido à fé cristão, ainda que sua mãe Mônica o pressionava para que se convertesse ao cristianismo. Isso somente ocorreu em 368 d.C., conforme citamos anteriormente, pela aparição de um ser iluminado.

A história conta que nesta ocasião, ao abrir a Bíblia, caiu no trecho da carta de São Paulo aos Romanos, onde o apóstolo falava sobre como as poderosas escrituras conseguiam transformar o comportamento humano. Sendo ela :

Logo após, na Páscoa de 387 foi batizado pelo bispo de Mediolano, Aurélio Ambrósio (340-397). Quando, no ano seguinte, voltou para a África na companhia do filho e da mãe. Porém, estes morreram logo após. Diante da decepção, Santo Agostinho doou todo seu dinheiro aos pobres, ficando somente com sua casa, a qual se tornou um mosteiro.

Quando ordenado sacerdote em Hipona, em 391, utilizou do seu vasto conhecimento em favor do cristianismo. Assim, se tornou um teórico das bases cristãs.

O que é Filosofia patrística?

Na filosofia patrística surgiu um período de mudança de pensamentos, que ocorre entre a Antiguidade e a Idade Média. Recebeu este nome por abrigar os primeiros padres, classificados como ‘pais’ da Igreja Católica, e, de início, serviu como uma forma da apologia ao cristianismo, pois não era ainda difundido na Europa, ainda no século III d.C.

Então, Santo Agostinho se insere nesta filosofia patrística, que lutava para estabelecer bases doutrinárias para o pensamento cristão. De tal fora que convencesse os fiéis, e, inclusive, servir como base para compreensão do cristianismo. Nesse ínterim, Santo Agostinho tornou-se um dos mais importantes ‘pais’ da Igreja.

Filosofia de Santo Agostinho

A filosofia de Santo Agostinho envolve diversas áreas do conhecimento, trazendo inúmeras temáticas para difundir e debater as bases teológicas do cristianismo. Dentre seus principais ensinamentos estão :

  • o tempo, dizendo que, embora saiba o que é, não consegue responder sobre ele. Isso traz o conceito do conhecimento intuitivo;
  • bem e mal, onde Deus seria o bem e a distância Dele o mal;
  • responsável pela primeira síntese do cristianismo, defendendo uma filosofia catequética
  • defendeu que o ser humano é a junção de duas substâncias, o corpo e a alma.
  • por Igreja se deve entender sob duas realidades : 1) Instituição hierarquizada e sacramentos; 2) as almas de seus praticantes;
  • capacidade humana de amar.

Obras de Santo Agostinho

Em suma, Santo Agostinho foi um dos maiores autores em termos de obras, que somam mais de 100 títulos. São obras apologéticas, doutrina cristã, maniqueísmo, heresias dos arianos, dentre outras. Abaixo, uma lista com suas obras de maior destaque.

  • Confissões;
  • Cidade de Deus;
  • Sobre o Livre-Arbítrio;
  • Sermão do Senhor na Montanha;
  • Potencialidade Humana;
  • Sobre a Música;
  • Vida Feliz;
  • Mentira;
  • Contra os Acadêmicos;
  • de Magistro;
  • A Graça;
  • A Doutrina Cristã;
  • A Trindade;
  • Tratado sobre o Batismo;
  • Comentários ao Gênesis;
  • Retratações;
  • Comentários aos Salmos;
  • Dos Bens do Matrimônio;
  • A Santa Virgindade;
  • Dos Bens da Viuvez;
  • A Verdadeira Religião;
  • O Cuidado Devido aos Mortos;
  • A Fé e o Símbolo;
  • Primeira Catequese aos não Cristãs, dentre outras.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.psicanaliseclinica.com/santo-agostinho/

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Qual a minha vocação?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Frei Ricardo da Cruz, ofmConv

 

'Essa é uma pergunta fundamental na vida de todo cristão. Por que devemos nos questionar sobre nossas vocações? É importante que nos questionemos sobre elas porque Deus tem um chamado único e pessoal para cada um de nós e descobrir esse chamado é essencial para vivermos com plenitude, liberdade e sentido. O chamado que Deus faz a cada um de nós é de amor, que requer uma resposta de amor. Quando falamos de vocação, não falamos apenas da religiosa e sacerdotal, mas de todas as vocações específicas, como o Matrimônio, a vida laical e missionária. 

Corresponder à vocação a que Deus nos chama é viver com radicalidade o Batismo. Todo ser humano é chamado à vida e à santidade, essas são vocações comuns a todos. A vida é um grande dom do amor de Deus; como dom dado gratuitamente, ele também deve ser ofertado dessa maneira. O segredo da realização de toda vocação está na doação de si. No Matrimônio, o casal doa-se um ao outro como Deus se doou à Igreja (cf. Ef 5,25). A vocação laical se realiza na doação de si ao outro em todos os ambientes em que está inserida, é ser sinal e transparência do Evangelho nos diversos ambientes em que transita. A vocação religiosa se realiza na consagração de si a Deus para o serviço e o bem do outro. A vocação sacerdotal é a doação de si àqueles que Jesus redimiu com seu sangue na cruz. Apesar de existir vocações diferentes, há um único objetivo : alcançar as bem-aventuranças, isto é, chegar à santidade. 

Deus nos chama em nossa integralidade, ou seja, do jeito que somos, com nossas luzes e sombras, vícios e virtudes. A dificuldade de correspondermos à vocação a que somos chamados, muitas vezes, gira em torno do pensamento de que não somos capazes ou, até mesmo, dignos da vocação a qual Deus nos chama, porém, a vocação é uma iniciativa de Deus e não um projeto pessoal. Ela deve ser assumida como graça e, por isso, não depende de nossas próprias forças, é dom gratuito de Deus, é Ele que nos sustenta. Vocação é a conformidade entre duas vontades, a de Deus e a nossa. É dom e decisão, dom de Deus e decisão nossa. 

Para alcançarmos a verdadeira felicidade e a liberdade de nossas vidas – que é ser aquilo que Deus nos chama a ser – é preciso saber qual a vocação de cada um. Uma vocação não discernida ou mal discernida pode gerar uma vida frustrada. O discernimento vocacional é importante para entendermos que a vocação não é um projeto pessoal, mas de Deus para nós.

Para responder à pergunta vocacional, faz-se necessária antes de tudo a intimidade com Deus. É no silêncio da oração que Ele nos responderá. Depois, é imprescindível o contato com a Palavra de Deus. Na oração falamos com Ele e na Palavra Ele fala conosco. Deus nos dá sinais nas pequenas coisas do dia a dia, a vocação vai se revelando no ordinário e não no extraordinário. Descobrir e corresponder à vocação a qual Deus nos chama é o segredo para uma vida feliz, livre e plena de sentido.'

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/qual-a-minha-vocacao.html

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Dietrich Bonhoeffer e a vida monástica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de John W. de Gruchy


Algumas reflexões de um teólogo da Reforma [1] 

‘A pequena semente do interesse de Bonhoeffer pelo monaquismo estava já plantada quando, em 1924, sendo um jovem estudante em Tübingen, visitou Roma pela primeira vez. Emocionou-se profundamente com a Semana Santa. Alguns anos mais tarde, redigiu a sua tese, Sanctorum Communio, na qual repensava a Igreja protestante como ecclesia, comunidade de amor e não instituição de tipo sociológico. Nela fazia a proposta inovadora de encarar a Igreja como ‘Cristo existente enquanto comunidade de pessoas ‘. Mas o catalisador que finalmente fez passar Bonhoeffer do teólogo ‘escolástico’ ao teólogo ‘monástico’ revelou-se durante o seu ano de estudos na Union Theological Seminary de Nova Iorque em 1930-1931, quando ‘descobriu a Bíblia’. Deu-se conta que, por muito que tenha pregado, ‘não era ainda um cristão’. Compreendeu então, escreve, ‘que a vida de um servo de Jesus Cristo deve pertencer à Igreja, e pouco a pouco pareceu-me mais claro o compromisso final ao qual isso conduz’. Este foi o começo da viagem de Bonhoeffer no ‘deserto’ e a sua descoberta ‘da condição onerosa de discípulo’ com a sua participação na luta da Igreja alemã contra o nazismo, seguida da sua própria ‘guinada monástica’ em Finkenwalde, e finalmente o seu martírio.

Ainda que profundamente influenciado por Barth [2], Bonhoeffer só o encontrou pela primeira vez no verão de 1931 em Bona, após escutar uma conferência sua numa manhã. Nesse dia mais tarde foi convidado a participar de uma discussão em casa de Barth, onde, surpreendentemente, encontrou monges beneditinos do mosteiro vizinho de Maria Laach.

Mais tarde, visitou o mosteiro com os irmãos, e desenvolveu com eles uma boa relação. Mas os acontecimentos ultrapassaram este contato e cedo Bonhoeffer, seguindo o exemplo de Barth, viu-se profundamente implicado na luta da Igreja contra o nazismo. Entretanto, em outubro de 1933, para grande tristeza de Barth, Bonhoeffer viajou para Londres com duas congregações de expatriados alemães. Foi lá que começou a refletir mais seriamente sobre o monaquismo e escreveu ao seu irmão Karl-Friedrich que ‘a restauração da Igreja devia imperativamente formular um novo tipo de monaquismo, sem nada de comum com o antigo mas que deveria assemelhar-se a uma vida de discípulo sem compromisso, na senda de Cristo, segundo o Sermão da Montanha’.

Em 1935, Bonhoeffer é convidado a regressar à Alemanha para fundar um seminário confessional em Finkenwalde na Prússia oriental. Antes de partir, visitou vários seminários de estilo monástico na Inglaterra para o guiar na sua nova tarefa de preparar os ordenandos já formados na universidade, para se tornarem pastores mais fiéis nesse período de crise nacional. Mas como os seminaristas não permaneciam mais do que um semestre ou dois, Bonhoeffer estabeleceu uma Casa de Irmãos, composta de alguns ordenandos que deveriam permanecer  mais tempo e comprometer-se numa vida comum. A sua intenção era vê-los assegurar a estabilidade e a continuidade. O livro de Bonhoeffer ‘Vida em comunhão’, que inspirou numerosos monges e outras pessoas implicadas na formação de comunidades, baseia-se nessa experiência. É igualmente nesta altura que escreve o seu clássico ‘Discipulado’ – o preço da graça, no qual opõe ‘a graça por muito pouco’ e a ‘onerosa’. Ele afirmava que a depreciação da graça que se havia produzido nas Igrejas da Reforma tinha sido evitada na Igreja católica devido ao monaquismo. As pessoas, escreve, ‘deixaram tudo o que tinham por amor a Cristo e tentaram seguir os mandamentos de Jesus pela ascese quotidiana. A vida monástica tornava-se assim um vivo protesto contra a secularização do cristianismo, contra a degradação da graça. Foi precisamente assim que os primeiros monges compreenderam a sua retirada para o deserto’.

Bonhoeffer partilhava as reservas de Lutero sobre o monaquismo. Mas insistia no fato de que o regresso de Lutero ao mundo não visava evitar uma vida exigente de discípulo, e que a sua própria ‘guinada monástica’ não era antes uma tentativa de fuga ao mundo. Com efeito, Bonhoeffer trabalhava para a Resistência enquanto escrevia a seus pais do mosteiro beneditino de Ettal em 1945 : ‘Esta forma de vida não me era naturalmente estranha, e experimento a sua regularidade e o seu silêncio como extremamente benéficos para o meu trabalho’. Prosseguia dizendo que ‘seria certamente uma perda (e seria certamente uma perda para a Reforma!) se esta forma de vida comunitária preservada durante mil e quinhentos anos viesse a ser destruída’.

Ao longo dos anos, Bonhoeffer conheceu muitas desilusões mas nunca abandonou a Igreja. Pelo contrário, a sua visão de um ‘novo tipo de monaquismo’ visava permitir à Igreja ser ‘conforme ao Filho único que se fez homem, foi crucificado e ressuscitou’. A Encarnação de Cristo é para aqui e agora. Nada de mais monástico do que dizer, com Bonhoeffer, que ‘vivemos no meio da morte; estamos precisamente no meio do pecado; mas somos novos no meio do antigo. Com efeito, ‘o nosso mistério permanece oculto para o mundo’. Vivemos porque Cristo vive, e vivemos com ele só’. Os que se conformam com Cristo desta maneira, diz ainda Bonhoeffer, ‘não procuram destacar-se, mas exaltam a Cristo para o bem dos seus irmãos e irmãs... manifestam- se como aqueles que receberam o Espírito Santo e estão unidos a Jesus Cristo num amor e numa comunhão incomparáveis’.

Numa carta que escreveu mais tarde da prisão a seu amigo Bethge, Bonhoeffer relata uma conversa que teve com um pastor francês e outro estudante no Union Seminary em 1930. O Pastor dizia-lhe querer ser santo. Bonhoeffer respondeu que preferia que quisesse ‘aprender a ter fé’. Com efeito, não tentava mais fazer o que quer que fosse por si mesmo. Em vez de experimentar ser uma pessoa religiosa, acreditava que Cristo exigia de nós viver uma ‘maturidade humana’. Esta ‘humanidade’ significava : ‘viver plenamente no meio das responsabilidades, das questões, dos sucessos e dos fracassos, das experiências e das perplexidades da vida’, e não mais levar a sério ‘os seus próprios sofrimentos mas antes o sofrimento de Deus no mundo’. Isto, diz ele, ‘é a fé; é a conversão, é a metanoia. E é assim que nos tornamos seres humanos, cristãos (cf. Jr 45 !)’.

Assim, a humanidade, a ‘mundanidade’ de Bonhoeffer não significava certamente ‘a mundanidade superficial e banal dos iluminados, dos agitados, dos confortáveis ou dos lascivos’, mas a profunda ‘mundanidade’ que demonstra a disciplina e inclui o conhecimento sempre presente da experiência real de morte e ressurreição. Thomas Merton estava em consonância com Bonhoeffer. A verdadeira mundanidade cristã, escreve, ‘é uma afirmação de vida e de humanidade, de confiança e de esperança no meio da luta, do sofrimento e da morte’. Com efeito, a verdadeira ascese cristã é uma forma de exercer a responsabilidade cristã para o mundo, de forma amante, criativa, redentora, cheia de esperança e de vida, e de educar, de disciplinar consequentemente os nossos desejos.

No seu ‘Plano para um livro’ que Bonhoeffer esboçou na prisão, descreve o que seria a Igreja e o cristão num mundo pós-cristão. Assim, dá corpo ao novo tipo de monaquismo que tinha em mente. Se o monaquismo começou em reação à cristandade, aos valores do império e de uma Igreja cada vez mais mundana, um novo tipo de monaquismo é agora necessário, enquanto a cristandade se afunda, para garantir que a Igreja permaneça fiel ao seu testemunho a favor de Cristo, no qual a realidade de Deus e do mundo estão unidos.

Primeiramente, Bonhoeffer diz que a Igreja não é Igreja se não ‘estiver presente para os outros’, porque Jesus não existe ‘a não ser para os outros’. Os mosteiros poderão ser enclausurados, mas para Bento os mosteiros existem tanto para o exterior como para os monges que estão no interior. Com efeito, aquele que segue a Regra de Bento deve tratar todos os que batem à porta como Cristo em pessoa. Ser solidário com as vítimas da sociedade é pois uma marca da Igreja, e não o fazer é uma rejeição de Cristo.

Em segundo lugar, diz Bonhoeffer, ‘a Igreja para os outros’ deve ‘dar todos os seus bens a quem deles tem necessidade’. A visão monástica de pôr em comum pela partilha todas as coisas questiona a maneira como a Igreja compreende e utiliza os seus recursos. Isto concerne muito diretamente à Igreja quando se trata de uma instituição apoiada pelo Estado, segundo o contexto que Bonhoeffer conhecia. Mas isto desafia igualmente os cristãos, as congregações e os mosteiros mais ricos a partilhar os seus recursos, o que agrava também a questão da justa repartição das riquezas na sociedade, de uma maneira mais geral.

Em terceiro lugar, prossegue Bonhoeffer, a Igreja deve ser autosuficiente e comprometer-se com um trabalho quotidiano que torne isso possível, participando ‘nas tarefas mundanas da vida, a partir da comunidade – não dominando mas ajudando e servindo’. Desta forma, a Igreja é um exemplo para todos do que é ‘uma vida com Cristo’, quer dizer ‘um ser para os outros’. O fato de os mosteiros se tornarem historicamente centros de cuidados para os doentes e as pessoas incapacitadas, bem como lugares de aprendizagem e de educação, é uma extensão deste ministério.

Em quarto lugar, Bonhoeffer fala da luta monástica contra os vícios pessoais como um programa da própria Igreja. Porque a vida ‘com Cristo’ e ‘para os outros’ exige não somente que os monges ou os cristãos individualmente, mas toda a Igreja, enfrentem e ultrapassem ‘os vícios do orgulho, o culto do poder, a inveja e a ilusão como raízes de todo o mal’. A Igreja deve também perseguir as virtudes contrárias a estes males : ‘a moderação, a autenticidade, a confiança, a fidelidade, a firmeza, a paciência, a disciplina, a humildade, a modéstia, o contentamento com aquilo que não se tem’. Feito isto, a Igreja descobre que ‘a sua palavra tem peso e poder não por conceitos mas pelo exemplo’ [3].

Enfim, Bonhoeffer religa a vida litúrgica da Igreja com a sua participação na luta pela justiça no mundo. Conforme escreve num sermão sobre o batismo quando se encontrava na prisão : ‘Não podemos ser cristãos hoje a não ser de duas maneiras, pela oração e favorecendo a justiça entre os seres humanos. Todos os pensamentos, palavras e organizações cristãs devem renascer de novo, a partir dessa oração e dessa ação’. Mas como existem a Igreja, o mosteiro, a congregação ‘para os outros’, comprometidos com o serviço do mundo nas suas lutas pela justiça, sem perder a sua identidade de Ecclesia? Assim perguntava Bonhoeffer a Bethge :

‘Como podemos nós, os chamados, ser ecclesia, sem nos compreendermos religiosamente como privilegiados (quer dizer como fazendo parte da cristandade), mas pelo contrário nos considerando como pertencendo por inteiro ao mundo? Cristo não seria então mais somente o objeto da religião, mas uma outra coisa, ele seria verdadeiramente o Senhor do mundo’.

Tal como Bonheoffer insistiu sobre o fato que a sua compreensão da condição de discípulo não era nem banal nem superficial, também insistia sobre o fato que quando a Igreja se abre ao mundo, seja pela sua hospitalidade calorosa, a sua solidariedade com as vítimas sociais, ou procurando interpretar o Evangelho, ela não deve nem abandonar a sua identidade nem questionar os mistérios da fé. Com esta finalidade, Bonhoeffer propõe recuperar a disciplina do mistério monástico. Quer dizer a prática adotada na Igreja do século IV para proteger os ‘Mistérios-sacramentos na prática interna da Igreja, em particular para o batismo e a eucaristia’, conservando-os ‘ocultos’ do mundo. Assim, Bonhoeffer propõe que o mistério monástico seja restabelecido, porque assim os mistérios da fé cristã estariam ‘ao abrigo da profanação’, enquanto que, ao mesmo tempo, e este é o ponto crítico, a Igreja encontrar-se-ia mais implicada na vida do mundo. O abrir-se ao mundo e o esconder-se no mistério da fé são indissociáveis porque um e outro fazem indissociavelmente parte da sua identidade profunda. Este kairos, este momento monástico não é pois para os cristãos tempo de fugir do mundo, mas sim amar o mundo com o amor de Deus, de não perder nunca a esperança no mundo enquanto mundo de Deus, e assim participar juntos mais ativa e plenamente da vida de Deus.’


[1] Jonh W. de Gruchy , nascido em 1939, é um teólogo cristão da África do Sul, professor emérito na universidade do Cabo e professor extraordinário na universidade de Stellenbosch. Algumas das suas primeiras obras foram escritas durante o apartheid, manifestando-se contra a legislação e apoiando-se na teologia de Dietrich Bonhoeffer para advogar a favor da libertação dos oprimidos. Após a abolição da legislação sobre o apartheid em 1991, de Gruchy escreve um certo número de obras falando do papel teológico da arte na sociedade e defendendo uma teologia da reconciliação. [Nota do editor.]

Extratos de : Rediscovering Monasticism.

Dietrich Bonhoeffer, nascido a 4 de fevereiro de 1906 em Breslau (atualmente Wroclaw na Polônia), morreu por enforcamento em 9 de abril de 1945 no campo de concentração de Flossenbürg (Baviera), e foi um pastor luterano, teólogo, ensaísta e resistente ao nazismo, membro influente da Igreja confessora.

[2] Karl Barth (1886-1968) é um pastor reformado e professor de teologia suiço. É considerado como uma das personalidades maiores da teologia cristã do século XX. [Nota do editor.]

[3] D. Bonhoeffer, Letters and Papers from Prison, 503-4.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/121

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Uma pastoral de escuta, proximidade e acompanhamento

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Joaquim Pereira,

Missionário Comboniano

 

‘O padre Roberto Minora, com a sua paciência e bom humor, introduziu-me na realidade social de Marcos Moura, marcada pela pobreza generalizada, crescente violência e os grandes desafios que as famílias enfrentam no quotidiano da vida. Gradualmente, inseri-me nas diversas pastorais das comunidades cristãs que procuramos acompanhar com zelo, amor e compaixão, ao jeito de Jesus. Sabemos muito bem que toda a pastoral vai beber ao múnus de Cristo, isto é, ela está ligada à missão de Cristo, o Bom Pastor.

O acolhimento que recebi por parte das comunidades cristãs foi fervoroso e afetuoso. Fizeram-me sentir parte desta grande família que é o Povo de Deus. Gente simples, respeitosa e guerreira, pois a vida quotidiana é dura para a maior parte das pessoas que moram neste bairro do município de Santa Rita, Paraíba. Porém, a dureza da vida não lhes rouba a alegria de viver e a gentileza no trato com os outros.

Ação pastoral

Partindo do princípio de que a pastoral visa fundamentalmente anunciar Cristo ao mundo e colaborar no projeto humanizador do Pai, ela envolve não apenas os pastores, mas toda a comunidade cristã. Sempre acreditei no protagonismo comunitário e não individual. Também os ritmos, os métodos, o modo de se fazer as coisas são igualmente diferentes em cada situação histórica onde o Evangelho é anunciado e encarnado.

Neste breve tempo de ação pastoral que tenho vindo a realizar na paróquia de Marcos Moura, a minha atuação tem sido mais de escuta, proximidade e acompanhamento, marcada pelo anúncio do Evangelho e formação cristã. De facto, os nossos interlocutores são pessoas que já conhecem a Cristo. Os desafios pastorais apontam mais para uma ação dirigida aos cristãos cuja fé ainda é bastante superficial ou marcadamente de sabor popular. Mas sentimos também a necessidade de ir à procura da «ovelha perdida». As igrejas evangélicas que vemos amontoadas ao longo das ruas com toda a sua gritaria e intenção proselitista podem «apanhar» aqueles cristãos católicos mais desprevenidos quanto a fé e compromisso.

Nesta realidade eclesial onde estamos inseridos, em que as nossas comunidades cristãs são relativamente pequenas, temos procurado encorajar os cristãos a viverem a sua vocação na Igreja em chave missionária, incentivando-os a ter uma presença mais forte nas casas das pessoas em forma de visita planeada em que se reza o terço, se celebra a Eucaristia reunindo os cristãos residentes naquela área e outras iniciativas. Aprecio muito os passos que algumas comunidades têm dado nesta direção de «sair para a rua» no sentido de evangelizar, mas ainda há muito que fazer

Servir os mais necessitados

A ação pastoral envolve, entre outras coisas, o serviço aos necessitados, o estudo bíblico, a dimensão celebrativa que temos procurado promover nas nossas comunidades cristãs. Conscientes de que estamos inseridos numa realidade social bastante pobre, com muitas carências humanas e afetivas, o desafio de uma participação mais generosa por parte das comunidades neste serviço aos mais carenciados é cada vez mais pertinente.

A paróquia, por meio da Pastoral da Criança, realiza ações de apoio aos menores e às suas famílias vulneráveis. Temos também outras instituições de cariz social, animadas e planeadas pelos combonianos e suas respectivas equipas, que dão um apoio extraordinário aos mais desfavorecidos da população. Entre elas, destacamos : o Centro de Formação Educativo Comunitário, sob a direção das Irmãs da Divina Providência; o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Óscar Romero; o Projeto Legal, programa de apoio às crianças e adolescentes em vulnerabilidade social; a Cooperativa de Catadores de Reciclagem. 

Desafios

Sentimos a necessidade de reativar e fortalecer a pastoral juvenil, familiar e vocacional. Infelizmente, a maioria dos cristãos não mostram grande disponibilidade em assumir compromissos e, nesse sentido, há um trabalho enorme a fazer para consciencializar as pessoas e envolvê-las mais nos diversos ministérios da comunidade.

Por fim, manifesto um desejo que trago no coração : poder vislumbrar uma igreja diocesana menos clerical e mais pastoral. Posso correr o risco de estar equivocado, pois estou aqui há pouco tempo, mas é um sentimento que quero expressar de forma fraterna. Citando as palavras do Papa Francisco, tenho a impressão de que a atitude de fundo que mais aflora numa grande parte do nosso clero é de serem «clérigos de Estado» e não «pastores do povo». É um sinal evidente de que existe ainda alguma resistência em se despojar das seguranças «clericais».

   Sonho com uma pastoral de escuta, proximidade e acompanhamento, porque esta foi a prática de Jesus como parte da sua pedagogia do caminho em que Ele agia na vida das pessoas sempre a partir das suas situações concretas e existenciais, e em comunhão constante com o Pai, que O enviou como Servo de todos. Consciente das minhas limitações, desejo também fazer o mesmo caminho.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/actualidade/6/1409/uma-pastoral-de-escuta-proximidade-e-acompanhamento/

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Curiosidades da Bíblia: a desconhecida civilização dos arameus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre José Inácio de Medeiros, CSsR

 

‘‘Então vocês declararão perante o Senhor, o seu Deus : 'O meu pai era um arameu errante. Ele desceu ao Egito com pouca gente e ali viveu e se tornou uma grande nação, poderosa e numerosa. Mas os egípcios nos maltrataram e nos oprimiram, sujeitando-nos a trabalhos forçados. Então clamamos ao Senhor, o Deus dos nossos antepassados, e o Senhor ouviu a nossa voz e viu o nosso sofrimento, a nossa fadiga e a opressão que sofríamos. Por isso o Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa e braço forte, com feitos temíveis e com sinais e maravilhas. Ele nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra, terra onde há leite e mel com fartura’. (Dt 26,5)

Para conhecermos melhor as Sagradas Escrituras, inclusive a ligação de Jesus com a história de seu povo, precisamos conhecer um pouco sobre a Civilização Aramaica.

Os arameus foram um antigo povo semítico que habitou as terras do chamado Crescente Fértil, na região que abrange partes do atual Oriente Médio, incluindo partes da Síria, Turquia, Iraque e Irã, durante grande parte da história antiga. O povo arameu deixou profundas marcas na história da região, contribuindo significativamente para a cultura, língua e política do mundo antigo.

Origem da civilização aramaica

Além do texto do Livro do Deuteronômio com o qual iniciamos este episódio várias passagens da Bíblia mencionam os Arameus, povo oriundo da Mesopotâmia, do lugar chamado de Aram-Naharaim, ou Aram dos dois rios, além das regiões circunvizinhas, como a Síria, a Pérsia, o vale do Jordão ou as montanhas do Líbano.

Os arameus formavam tribos de pastores que habitavam a região de Arã-Naharaim, fazendo fronteira com Assur (até 323 a.C.), quando foi absorvida pelos gregos que renomearam a região como Selêucida (323-64 a.C.). Conquistada pelos romanos a região recebeu o nome de Síria (64 a.C.-636 d.C.) que mantem até nos dias de hoje.

Os arameus desempenharam um importante papel na história política do Oriente Médio. Por volta do século II a.C., conseguiram estabelecer vários estados independentes conhecidos como ‘reinos arameus’. Um deles, o Reino de Arã, com sua capital em Damasco se destacou, exercendo influência sobre a região por vários séculos chegando a desafiar a hegemonia dos reinos vizinhos, incluindo Israel e Judá.

Conforme narra o Segundo Livro de Samuel, no processo de ocupação da região pelos Hebreus, o Rei Davi enfrentou e venceu o reino arameu de Damasco, capital da Síria moderna.

Davi se apossou de mil dos seus carros de guerra, sete mil cavaleiros e vinte mil soldados de infantaria. Ainda levou cem cavalos de carros de guerra, e aleijou todos os outros. Quando os arameus de Damasco vieram ajudar Hadadezer, rei de Zobá, Davi matou vinte e dois mil deles. Em seguida estabeleceu guarnições militares no reino dos arameus de Damasco, sujeitando-os a lhe pagarem impostos. E o Senhor dava vitórias a Davi aonde quer que ele fosse. (II Sam 8, 4-6)

A língua falada por Jesus

A língua aramaica se consolidou como uma das línguas semíticas mais importantes da antiguidade, sendo adotada como a língua administrativa do Império Persa, usada em documentos oficiais e diplomáticos.

O aramaico era uma das línguas faladas por Jesus Cristo e pelos seus discípulos, tornando-se importante no contexto do Cristianismo primitivo. Jesus falava o aramaico porque era a língua do dia a dia do Oriente Médio. Se o grego era a linga comercial, o aramaico era falado pelas pessoas mais simples em seu quotidiano, tanto que partes do Novo Testamento foram escritas nesta linga e o evangelho preserva várias expressões em aramaico.

O povo que vivia em cidades e pequenas povoações da Galileia, na região norte e em cidades como Cafarnaum, Nazaré, Caná, Tiberíades, Corazim falava o aramaico. Ali Jesus foi educado, cresceu e passou a maior parte de sua vida.

Fora das fronteiras da Galiléia o aramaico também era falado e entendido porque somente se usava a língua hebraica no ambiente religioso.

Herança dos arameus

Além das realizações políticas e linguísticas, os arameus deram diversas contribuições para a cultura e sociedade do Oriente Médio antigo. Sua arte e artesanato refletiam a rica tradição cultural, evidenciada nas esculturas, cerâmicas e artefatos como os que foram descobertos em sítios arqueológicos dos arameus. Eles também eram conhecidos pelas habilidades comerciais e pelas técnicas agrícolas avançadas que contribuíram para a prosperidade de suas cidades e de seus reinos.

Seu apogeu e queda estão ligados às mudanças políticas e militares da região. A partir do século VIII a.C., o domínio assírio levou à gradual assimilação dos arameus em seus vastos domínios. Depois veio a dominação do Império Neobabilônico e do Império Persa Aquemênida que governaram sobre as terras arameias, consolidando a influência persa na região e marcando o declínio de sua civilização.

Apesar de terem perdido a independência política, o legado dos arameus perdurou através dos séculos, principalmente através da língua e da cultura que continuaram a influenciar o desenvolvimento do Oriente Médio até os dias atuais.

Atualmente, pouco mais de dois mil arameus considerados puritanos vivem na Síria, na Turquia e numa pequena região do Iraque, mas estão ameaçados de extinção por conviverem em um ambiente próximo do domínio islâmico, enfrentando exércitos turcos e guerrilheiros curdos.

O povo arameu continua, entretanto, representando uma peça importante no quebra-cabeça da história de ontem e de hoje do Oriente Médio, como testemunho de uma civilização que deixou sua marca duradoura na região.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2025-08/curiosidades-biblia-desconhecida-civilizacao-arameus.html