*Artigo de Frei Patrício
Sciadini, OCD,
Provincial dos carmelitas descalços no Egito
‘Estamos
celebrando o V centenário do nascimento de Santa Teresa de Ávila (1515-1582) e é uma grande graça de
Deus que este ano se celebre também, por desejo do Papa Francisco, o ano da
Vida Consagrada. Teresa teria exultado de alegria diante da carta que o Papa
tem enviado a todos os consagrados e consagradas do mundo. Uma carta que abre o
coração dos que olham o passado com gratidão, vivem com paixão o presente, sabe
ver novos horizontes diante de si e tem no coração um grande amor pela Igreja.
Hoje em dia o Papa tenta com todos os meios de ‘acordar-nos’ do nosso sono de mediocridade que nos impede de viver
com entusiasmo renovado a nossa fidelidade à missão que nos é confiada. E
preciso abrir os olhos e colocar os óculos das bem-aventuranças para ver que
uma nova vida consagrada está surgindo com nova modalidade e com uma força que
nem sempre sabemos acolher nos nossos corações endurecidos.
Numa
série de reflexões que quero escrever para Zenit sobre Santa Teresa de Ávila,
gostaria de tocar vários temas que fazem desta mulher uma pessoa de qualidades
raras e que soube de verdade colocar a frutificar os talentos que recebeu de
Deus. Não foi enterrá-los, mas os fez frutificar, indo contra todas as
correntes de seu tempo. Não teve medo. E sabemos como nos momentos mais
difíceis de sua vida, quando também a ela as noites, os desertos e os medos a
torturavam por dentro, diante das dificuldades para realizar a obra das
fundações dos Carmelos, normalmente sentia a voz do Senhor que lhe dizia : ‘por que você tem medo, de que tem medo? Te
deixei alguma vez sozinha? Os teus negócios são os meus negócios. Não tenhas
medo!’ Estas palavras lhe infundiam uma coragem nova e era capaz de
enfrentar numa maneira ‘feminina e
teresiana’ qualquer pessoa. Sabia entrar na amizade e sabia falar de Deus e
dos projetos de Deus com uma força única, que mesmo os mais adversos inimigos
não podiam resistir-lhe.
Trazia
dentro dela uma inquietação dos buscadores de Deus. Quem busca de verdade o
rosto de Deus e o seu amor sabe que nunca o poderá encontrar totalmente. Trazia no seu coração a mesma
inquietação de Santo Agostinho e repete nos seus escritos a famosa frase : ‘criaste o nosso coração para ti e ele anda
inquieto até que não descanse em ti.’ Aliás, sabemos que as Confissões de Santo Agostinho são uma força para sua conversão pessoal. Teresa
adverte no mais íntimo de si mesma um desejo que a ‘persegue
com uma doce violência’ desde sua infância : ‘quero ver a Deus!’ Este será
o seu impulso constante ao longo
dos seus 67 anos de vida. O desejo de ver a Deus a leva
a dar-se totalmente a ele. Ela mesma escreverá : ‘Deus se dá totalmente a quem totalmente a ele se doa.’ Fará esta
bela experiência de ser tomada, invadida pela força do Espírito Santo de Deus.
É
uma mulher inquieta, busca sempre algo mais. Traz dentro de si a insatisfação
dos místicos, sabe que não podem se acomodar a uma vida tranqüila, onde é amada
e respeitada, como na casa paterna e como no Mosteiro da Encarnação. Procura
algo mais e por isso, na sua inquietação, ela resolve dar ‘novo vigor ao Carmelo’ que vivia um cansaço e uma estagnação que
provocava uma vida burguesa e sem
sentido. Mas como fazer isto?
No
mosteiro carmelitano da Encarnação, onde viviam 180 monjas, ela pensa como
realizar uma pequena comunidade à imitação do colégio de Cristo, 13 monjas, onde
deve reinar o amor a Deus, o amor ao próximo, o desapego de todas as coisas, e
embora Teresa a coloque por último, a virtude da humildade que para ela é o
fundamento de todo o edifício. Nesta inquietação Teresa dá vida ao mosteiro de
São José. É genial na sua ‘geografia do
mosteiro’ : no meio está Jesus, numa porta a Virgem Maria e na outra São
José, e assim não podemos ter medo de nada.
Mas
qual é o segredo da pequena comunidade teresiana? É o amor. E o diz e repete em
todas as maneiras e tons : poucas como somos, todas devem se amar, todas devem
se ajudar, todas devem se estimar, promover. Teresa, na sua comunidade, queria
como coração a oração silenciosa. Duas horas por dia, e depois a ‘verificação’ da qualidade da oração na
recreação comunitária. Esta monja que sabe que não lhe é possível ir ‘às periferias’ para anunciar o
evangelho, desde os seus mosteiros aconselha a todas as suas monjas e frades a
irem às periferias através da oração pela Igreja e pelos teólogos e pregadores
do evangelho, que devem ser preparados, para resistir aos ataques do mal.
Uma
inquietação profética que leva Teresa a ser andarilha pelas terras de Espanha,
fundando mosteiros de monjas, conventos
de frades, porque onde tem uma casa de oração se tem a certeza da presença de
Deus. É a maneira que ela encontrou com fidelidade ao seu carisma de
contemplativa, de ser criativa diante de um mundo que ‘está em chamas por causa das
heresias que dividem a Igreja.’
A próxima vez
falaremos da oração de Teresa. Eis um texto de Teresa :
Talvez pergunteis por que insisto tanto
nisso, dizendo que devemos ajudar os que são melhores que nós. Explico : porque
creio que não entendeis bem o quanto deveis ao Senhor por terdes sido trazidas
para um lugar tão longe de negócios, situações perigosas e relações com o
mundo, uma enorme graça. O mesmo não ocorre com aqueles de quem falei, nem é
bom que ocorra, muito menos nesta época, pois a eles cabe animar os fracos e
encorajar os pequenos : o que seria dos soldados sem comandantes!
Estes devem viver entre os homens e
tratar com eles, estar nos palácios e, algumas vezes, conformar-se
exteriormente com o que exigem as pessoas do mundo. Pensais, filhas minhas, que
é preciso pouco para tratar com o mundo e nele viver, para cuidar de negócios
do mundo e adaptar-se, como eu já disse, às conversas do mundo, sendo ao mesmo
tempo estranho ao mundo e inimigo seu, vivendo nele como exilado, não sendo,
enfim, um ser humano, mas um anjo?
Porque, se não agirem assim, sequer vão
merecer o nome de comandantes; nem permita o Senhor que saiam de suas celas
nessas condições, pois provocarão mais danos do que benefícios. Este não é o
momento de se perceberem imperfeições em pessoas que devem ensinar (Caminho de Perfeição 3,3).’
Fontes :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/santa-teresa-uma-religiosa-inquieta
Nenhum comentário:
Postar um comentário