*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
‘Ao aproximar-se o final do Ano
Litúrgico, a Igreja nos brinda com a conhecida Parábola dos Talentos (Cf. Mt 25, 14-30). Aquele que é a
Sabedoria de Deus (Cf. 1 Cor 1, 24) nos oferece o caminho para assumir com
dignidade a vida que nos foi dada de presente. A partir da parábola, ‘talento’ veio a significar um dom,
habilidade ou qualidade. Ao tempo da redação do Evangelho, talento era uma
unidade monetária equivalente a cinquenta quilos de prata, correspondente a
cerca de seis mil denários, e um denário era a diária de um trabalhador do
campo. O servo da parábola que recebeu um talento tinha muito em mãos e podia
fazer tanto com o que lhe fora dado.
As parábolas são propostas pelo Senhor
para provocar positivamente, suscitando uma resposta de vida. Do dinheiro
passamos à nossa história. Os servos somos nós; os talentos são as condições
oferecidas por Deus a cada um; o tempo de viagem do proprietário é a vida; a
volta inesperada é a morte, nossa páscoa pessoal; a prestação de contas é o
juízo e a entrada na festa, o banquete da alegria, oferecido pelo Senhor, o
Paraíso. No final de tudo, quando a obra de nossa vida estiver concluída, no
tempo certo conhecido pelo Senhor da História, haveremos de entregar os dons
que nos foram concedidos não para nossa vaidade, mas para servir e amar a Deus
e ao próximo.
Como Deus não impõe, mas propõe, à sua
proposta cabe uma resposta. Temos consciência de não sermos proprietários da
própria vida, mas administradores dos dons de Deus. Nenhuma pessoa inventou sua
vida, nem a planejou por conta própria. Na maravilhosa criação de Deus, todas
as pessoas sejam consideradas como obras primas, a serem aperfeiçoadas no
correr dos anos, contando com a inspiração do Espírito Santo, que não abandona
qualquer um dos filhos e filhas de Deus. É condição de felicidade identificar o
projeto de Deus a respeito de sua própria vida e buscar todos os meios para
realizá-lo. Cabe a cada pessoa abraçá-lo, na maravilhosa aventura da liberdade,
com a qual todos foram feitos, ao assumir responsavelmente os rumos da
existência.
Assumir responsabilidades! Tarefa
exigente que pede formação e preparação adequada. O processo educativo na
família, na escola e na Igreja pode contribuir para que as crianças,
adolescentes e jovens sejam iniciados para ter nas mãos o rumo da própria
existência. Para todas as idades, inclusive para nós, adultos, tudo começa com
o reconhecimento de que todos têm valor aos olhos de Deus e diante dos outros.
Discriminar, humilhar e condenar pessoas não corresponde ao plano do Senhor,
que quer todos vivos e felizes. Ninguém seja visto como massa sobrante em
qualquer campo da convivência humana.
Constitui-se uma personalidade responsável
quando se leva em conta as condições de cada um, considerando idade, formação
recebida, condições de saúde, temperamento, ambiente familiar e referências
culturais e ambientais. Faz-se necessário muitas vezes exercer o papel de ‘caça-talentos’, para descobrir uma
quantidade considerável de tesouros escondidos. Nestes dias, um menino de dez
anos me foi apresentado como um dos líderes do projeto de evangelização numa
das Paróquias da Arquidiocese de Belém. Como foi significativo ver o brilho dos
olhos daquele que se sabe missionário! Sem forçar e exigir mais do que pode
oferecer, ele se torna sinal para muita gente crescida!
Responsabilidade se aprende e há de ser
assumida pouco a pouco, quando alguém se arrisca, confia e lança o outro para
voos mais ousados. Há muita gente aguardando este voto de confiança! O Senhor
faz assim conosco, agindo ‘como a águia
que incita a ninhada, esvoaçando sobre os filhotes, também ele estendeu as asas
e o apanhou e sobre suas penas o carregou’ (Dt 32, 11). Responsabilidade se
consolida com dedicação, tempo, preparação das atividades, coragem para rever e
recomeçar quando acontecem falhas, superação de julgamentos com os eventuais
fracassos, idealismo cultivado com afinco.
Vale a pena até detalhar um caminho de
revisão pessoal de vida, a esta altura do ano. Examinemos como aproveitamos o
tempo, a pontualidade, a ordem, os deveres familiares, a dedicação ao trabalho.
Como temos oferecido as qualidades e talentos recebidos para servir a Deus e ao
próximo? Temos olhado ao redor para ver o que é possível fazer pelo bem comum
na Paróquia, no bairro em que vivemos, ou, quem sabe, nas associações e
organismos aos quais estamos ligados? Outro ponto para uma revisão corajosa da
vida é ‘fazer bem feito’. Basta olhar
para Deus, que fez tudo e todos como obra de arte, para entender que nossa
passagem por este mundo, por sinal, muito breve, pode deixar um rastro de
dedicação e amor. Até para o equilíbrio pessoal é importante realizar por
inteiro as tarefas! E dentre os dons oferecidos pelo Senhor, venha em relevo o
presente da Palavra de Deus. Faz parte da responsabilidade do cristão não reter
para si o conhecimento das coisas de Deus, mas oferecê-la aos demais.
A liturgia da Igreja, celebrada neste
final de semana, faz preceder a Parábola dos Talentos com um esplêndido texto
do livro dos Provérbios : ‘Uma mulher forte, quem a encontrará? Ela
vale muito mais do que as jóias. Seu marido confia nela plenamente, e não terá
falta de recursos. Ela lhe dá só alegria e nenhum desgosto, todos os dias de
sua vida. Procura lã e linho, e com habilidade trabalham as suas mãos. Estende
a mão para a roca e seus dedos seguram o fuso. Abre suas mãos ao necessitado e
estende suas mãos ao pobre. O encanto é enganador e a beleza é passageira; a
mulher que teme ao Senhor, essa sim, merece louvor. Proclamem o êxito de suas
mãos, e na praça louvem-na as suas obras!’ (Pr 31, 10-13. 19-20. 30-31).
Fortaleza, confiança, capacidade para oferecer alegria aos outros, trabalho,
habilidade, partilha, temor do Senhor. Tais valores continuam atuais e se
tornam talentos preciosos a serem postos ‘em
circulação’ em nossos dias! Homens e mulheres de todas as idades os assumam
com responsabilidade.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http
: //www.zenit.org/pt/articles/os-dons-nos-foram-concedidos-nao-para-nossa-vaidade-mas-para-servir-e-amar-a-deus-e-ao-proximo
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