Nesta reportagem da ZENIT, o cardeal Mauro Piacenza,
Penitenciário-Mor do Tribunal da Penitenciaria Apostólica,
explica o significado litúrgico e
religioso da
Festa de Todos os Santos e a Comemoração dos Finados.
‘ZENIT
: Eminência, nos próximos dias, vamos celebrar a Festa de Todos os Santos e a
Comemoração dos Finados. O Povo de Deus sente muito esses dias, que são também
ocasião para refletir e rezar. Ainda é válida a prática das indulgências para
os defuntos?
Cardeal
Mauro Piacenza :
Claro que sim! No dia 02 de novembro, visitando um cemitério e tendo cumprido
as condições habituais (confissão, comunhão, recitar o Credo e rezar pelas
intenções do Santo Padre) é possível obter a indulgência plenária, aplicável a
um fiel defunto.
ZENIT
: Só naquele dia é possível conseguir?
Cardeal
Mauro Piacenza :
Não. Naquele dia é possível fazê-lo de uma maneira particular e visitando um
cemitério, mas em qualquer outro dia do ano é possível obter a indulgência
plenária em conformidade com as várias obras de piedade contidas no Enchiridion Indulgentiarium (a coleção
das modalidades em que é possível obter o cancelamento das penas devidas pelos
pecados), e optar por aplicá-la a si mesmo, ou a um fiel defunto. A única ‘limitação’ a esta prática piedosa é que
só pode ser adquirida uma vez por dia; ou seja, só é possível obter uma só
indulgência plenária por dia, aplicável a si mesmo ou a um fiel defunto.
ZENIT
: Às vezes, em alguns santinhos, há orações com o título: 100 dias de
indulgência, 300 dias de indulgência. Como se deve interpretar isso?
Cardeal
Mauro Piacenza : Até
a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II era possível encontrar essas
reivindicações. O correto aprofundamento teológico nos leva a crer que, estando
a eternidade fora do tempo e não sendo um ‘tempo
prolongado’, não seja propriamente oportuna a indicação específica da pena
temporal e da relativa indulgência. Portanto, hoje se fala unicamente de dois
tipos de indulgência: plenária, quando todas as penas devidas aos pecados foram
canceladas, ou parciais, quando só em parte são perdoadas.
ZENIT
: Mas não basta só a absolvição sacramental? Não basta ir à confissão?
Cardeal
Mauro Piacenza : É
claro que a primeira grande Reconciliação é o acontecimento da morte e
ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo! Em Cristo, todas as promessas do Pai
se tornaram um ‘sim’ (2 Cor 1,20).
Ele é a fonte da misericórdia, o propósito da misericórdia e a própria
misericórdia. O Papa Francisco nunca deixa de lembrar à Igreja como esta
realidade da misericórdia seja crucial para o anúncio e para o discipulado
cristão. Em retrospectiva, o aviso: ‘Não tenham medo’ de São João Paulo II está
na mesma linha da misericórdia. Também porque, como poderia o homem não ter
medo, se houvesse a possibilidade da misericórdia? E como a misericórdia
poderia ser real experiência vivida, e não somente palavra proclamada, se não
determinasse, na concreta existência de cada um, a efetiva possibilidade de
vencer todo medo graças à certeza da verdade, da serenidade do bem e,
ultimamente, da vitória de Cristo sobre todas as feiúras da história humana?
Como todo ato humano, até os pecados têm conseqüências. O Sacramento da
Reconciliação absolve os pecados, mas não elimina todas as suas consequências.
Através das indulgências, a Igreja mãe alcança generosamente o tesouro da divina
misericórdia, dando aos fiéis a possibilidade da remissão não só das culpas,
mas também das penas anexas. Por exemplo, se um homem bate em outro homem, os
dois podem se reconciliar, mas nada poderá apagar a dor e a marca da bofetada
no rosto. As indulgências apagam também esta marca. Assim se entende bem como o
tesouro do qual a Igreja se alimenta constitua a sua mais verdadeira e preciosa
riqueza. Esse é o banco mais seguro e consolador que existe e os seus
acionistas são realmente de sorte!
ZENIT
: Eminência, você disse que as indulgências podem ser aplicadas a si mesmos, ou
a um fiel defunto. Por que não a um outro fiel vivo, por quem se reza? Por
exemplo, pelo próprio marido, esposa, filhos?
Cardeal
Mauro Piacenza : Isso
não é possível por causa do grande mistério da liberdade, que nos faz imagem e
semelhança de Deus e que Deus mesmo respeita profundamente. Cada um, enquanto
está vivo, ou seja, enquanto está no tempo, pode mudar as próprias escolhas
existenciais, pode decidir pessoalmente converter-se e nisso ninguém pode
substituir-se à liberdade do outro. Portanto, cada um pode lucrar as
indulgências e aplica-las a si mesmo. Certamente é possível orar pela conversão
dos irmãos, pela conversão dos pecadores, mas a indulgência, pela sua natureza,
já é um exercício, e para cumprí-la são necessários verdadeiros atos de
conversão, primeiro de todos a Reconciliação sacramental. No que diz respeito
os defuntos, eles, com a morte saíram do tempo e o dom da liberdade acabou para
eles. Por esta razão, é sempre importante que a nossa liberdade esteja
orientada ao bem e não é nem um pouco prudente permanecer por muito tempo em
estado de pecado mortal. Não podendo as almas dos defuntos fazer nada mais pela
própria purificação, em força da comunhão dos santos, ou seja, da unidade
profunda de todos os batizados em Cristo, nós, que ainda estamos a caminho,
podemos fazer a extraordinária obra da misericórdia espiritual em sufrágio das
almas, e isso em benefício delas, e ao mesmo, também em benefício nosso.
ZENIT
: Esta é a razão pela qual a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de
todos os fiéis defuntos estão tão próximas, n0s dias 1 e 2 de novembro?
Cardeal
Mauro Piacenza :
Certamente, a Igreja, desde o início, orou pelos fieis defuntos pertencentes às
primeiras comunidades cristãs. Que eles fossem mártires, ou fieis comuns mortos
de morte natural, a comunidade entendeu rapidamente o sufrágio pelos defuntos
como uma dimensão estrutural da própria vida, da própria oração e,
especialmente, da celebração Eucarística. Como forma de significar a unidade
profunda com Cristo e em Cristo, criadas com o Batismo, e a partilha da mesma
Eucaristia, vivida na comunidade cristã, não podia ser rompida nem mesmo com a
morte. Por outro lado, pensando bem, se a morte foi vencida por Cristo, quem
renasceu em Cristo não pode mais ser separado de nada, nem sequer daquela morte
que Cristo já venceu! A Solenidade de todos os Santos evidencia a verdade da
comunhão dos santos, da união de todos os batizados. Como nos lembrou em várias
ocasiões o Papa Francisco: ‘o tempo prevalece sobre o espaço’. Portanto, a
união no tempo de todos os batizados, desde os primeiros cristãos, até aqueles
que amanhã de manhã receberão o Batismo e até o fim dos tempos, é uma união que
nada poderá jamais arranhar e que determina a caminhada da Igreja no tempo que
é real antecipação, aqui na terra, do Reino dos Céus. Nós pertencemos ao único
Corpo eclesial que, sem interrupção, desde Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos
Apóstolos, chegou a nós, e é por esta razão que a Igreja celeste é muito mais
numerosa, muito mais interessante, muito mais douta e muito mais ‘influente’ do que a Igreja na Terra.
ZENIT
: Na noite que precede a Solenidade dos Santos, há uma década mais ou menos, se
difundiu também na Europa a moda do Halloween. Qual a causa desse fenômeno?
Qual a sua opinião?
Cardeal
Mauro Piacenza :
Como você bem disse, trata-se de uma moda que, no entanto, tem sérias
implicações não apenas no âmbito consumístico. Acredito que posso deduzir que a
grande maioria dos jovens, que organizam festas a fantasia naquela ocasião, são
vítimas inconscientes tanto da moda quanto daqueles que, a todo custo, devem
vender produtos comerciais manipulando realidades espirituais. Vejo que o
fenômeno é tão irracional que se torna a real cifra da sociedade contemporânea:
quen não acredita na verdade termina por acreditar em alguma coisa, até mesmo
nas abóboras! Estou ciente, no entanto, que em alguns casos estes tipos de
manifestações tenham origens espíritas e até mesmo satânicas e, portanto,
alimentá-las e não corrigí-las pode transformar-nos em inconscientes
alimentadores daquela ‘fumaça de satanás’,
que já intoxica muito o mundo. Todos devemos ter cuidado para não respirar
fumaças tóxicas; as vezes isso acontece quase inadvertidamente. Lembremos que
uma abóbora, ainda que abençoada, sempre será uma abóbora. Aquelas do dia das
Bruxas nem sequer são abençoadas!’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/uma-abobora-mesmo-que-de-moda-sera-sempre-uma-abobora
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