*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
‘A dinâmica entre diálogo e emoção
configura ou enfraquece a cultura de um povo e o sentido de sua identidade.
Cada pessoa sofre os efeitos deste complexo processo, com incidências sobre o
modo de se viver. O resultado final é um tipo de cidadania, ou aquilo que se
reconhece por ‘brasilidade’. Vale a
análise da seriedade com que um povo realiza e respeita seus compromissos
cidadãos. A corrupção é uma referência bem concreta do resultado deste processo
entre diálogo e emoção. Trata-se de um binômio que entrelaça e influencia
fortemente o jeito de ser de cada cidadão e o torna peça da engrenagem que faz
a sociedade funcionar de um determinado modo. Pode produzir descompassos,
alimentando as brechas vergonhosas entre ricos e pobres; fazer da política um
mecanismo de interesses exclusivamente partidários, com a consequente perda do
seu nobre sentido de priorizar o equilíbrio social. Esse processo que envolve
diálogo e emoção também incide na ambiência religiosa, produzindo todo tipo de
prática. É possível que resulte em manipulação, enriquecimento e outros
absurdos, em detrimento da dimensão intrínseca à fé verdadeira, ao menos no que
diz respeito ao Evangelho de Jesus Cristo - o compromisso com a justiça e uma
incansável luta por ela.
A discussão filosófica sobre a emoção é
extensa. Aristóteles a compreende como uma das três classes de coisas que se
encontram na alma. Ela desempenha, neste sentido, um determinante papel na vida
humana. O consenso é que as emoções sejam harmonizadas, para que não se pendule
entre a hegemonia dos sentimentos e a tendência de eliminá-los. Existem emoções
más. Algumas, inclusive, são produzidas para se alcançar metas questionáveis.
Há também aquelas que temperam a existência, sem deixar prevalecer a perturbação
que leva à perda da serenidade e o consequente comprometimento da
racionalidade. A prevalência dos sentimentos ruins prejudica a articulação
entre o diálogo e a emoção. Produz nefastos resultados para a cultura. Também
promove atrasos em respostas, aumento irracional da burocratização, disputas
injustificáveis entre grupos e pessoas. Consequentemente, convive-se com
grandes perdas de oportunidade e não se alcança a seriedade cidadã que alavanca
o desenvolvimento integral da sociedade. Esta fragilidade pode ser corrigida
com a força, a abertura e a exercitação do diálogo.
Dialogar não é apenas uma disputa.
Trata-se de uma arte, método rigoroso de conceitualização que promove um
processo cognitivo, temperado pelo que é bom das emoções. A dinâmica dialogal,
no entanto, não pode ser confundida com os elementos que compõem um tratado
geral sobre a fofoca, nem a produção de peças para desmoralização dos outros,
muito menos enrijecimentos conceituais que irracionalmente levam muitos a
construírem, para si mesmos e para seus pares, um lugar para julgar os outros.
Isso está longe da dinâmica dialogal. O ensino formal e as práticas educativas
na vida comum de uma sociedade podem ou não emoldurar a cidadania no equilíbrio
entre diálogo e emoção. As polarizações emocionais produzem irracionalidades
que cegam e comprometem processos políticos, a autenticidade da religiosidade.
Formam os guetos institucionais e alimentam a rigidez cultural. Inviabilizam,
assim, a inovação, porque prejudicam a racionalidade e, consequentemente, a
inspiração necessária para as mudanças importantes.
Esta reflexão pode servir para analisar
e gerar novos entendimentos a respeito do que se passa na sociedade brasileira,
no atual contexto eleitoral, como também contribuir para o tratamento adequado
a ser dado aos gravíssimos problemas sociais que pesam sobre os ombros dos
pobres, em relação à habitação, educação, saúde, trabalho. São necessários
entendimentos criativos e cidadãos, indispensáveis para que a sociedade
brasileira avance, não apenas nos resultados econômicos, mas também nos
aspectos políticos e sociais.
A sociedade precisa de cidadãos
articulados entre diálogo e emoção, pilares de uma moralidade sadia e remédio
para os absurdos que estão sendo gerados pela falta de proximidade, pelo descompasso
emocional de muita gente. Pessoas que, muitas vezes, são amparadas por certa
militância digital que aparentemente constitui lugar de aproximação, mas apenas
acentua distâncias. Atitude sábia diante das irracionalidades é seguir a
indicação poética de Fernando Pessoa : ‘Segue
teu caminho, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de
árvores alheias’.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.news.va/pt/news/entre-dialogo-e-emocao
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