* Artigo de Padre Anderson Alves,
sacerdote da diocese
de Petrópolis – Brasil – e doutorando em
Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma
‘Resta-nos responder a uma pergunta : o
politeísmo é essencialmente tolerante? Existem hoje diversos autores que
aplicam a metáfora do politeísmo religioso à democracia civil, falando assim de
um ‘politeísmo de valores’. O
politeísmo seria um antídoto à violência, enquanto que o monoteísmo é
essencialmente intolerante e opressivo.
Na verdade a violência por motivos
religiosos é a corrupção da religião. Trata-se de um fenômeno grave e sério,
mas – é relevante notar – que não foi estranho ao politeísmo antigo (nem ao
atual), no qual ocorriam lutas entre os deuses e os homens. Qual foi a
tolerância que se deu na época da violenta perseguição do imperialismo grego
perante a religião judaica (cf. 1 Mac 1-14; 2 Mac 3-10)? Lembremos também que a
religião politeísta do Império Romano, com o seu conceito de cidadania, sua
estrutura multi-étnica, multirreligiosa, perseguiu o judaísmo e especialmente o
cristianismo, culpado de rejeitar a veneração do imperador como figura divina.
A resposta cristã àquelas injustiças foi precisamente o testemunho não violento
e a aceitação do martírio. Lembremos que nas sociedades antigas, quando um povo
conquistava outro, a primeira coisa a ser destruída era o templo, o qual
significava que o ‘deus’ dos
conquistadores era mais forte daquele dos vencidos. A segunda coisa destruída
era a ‘biblioteca’ daquele povo. O
politeísmo ‘relativista’ antigo e
atual gera, na verdade, ataques à religião e uma verdadeira destruição da
memória e da cultura.
Além disso, no mundo ocidental
secularizado, multiplicam-se os mais estilos de vida inspirados numa violência
espontânea, imediata e destrutiva, e isso vem sendo cada vez mais justificado
eticamente. Ao mesmo tempo observa-se um enfraquecimento «no respeito pela
vida, pela intimidade da consciência, pela salvaguarda da igualdade, pela
paixão racional por um empenhamento ético partilhado e pelo respeito da
autêntica consciência religiosa» (n. 13). Pode causar surpresa que sejam
justamente as ‘religiões monoteístas’
apontadas como uma das principais matrizes de um absolutismo violento e
desestabilizante para a harmonia civil, quando a violência cresce exatamente em
contextos secularizados. O esquematismo que liga o monoteísmo à violência e o
politeísmo à tolerância não supera, pois, o exame histórico, é simplório e
surge do preconceito racionalista segundo o qual existe um único modo de
afirmar a verdade : negar a liberdade ou eliminar o antagonista.
A constante identificação do
catolicismo como o obstáculo a se abater na cultura atual, por ser responsável
por um monoteísmo que difunde a violência religiosa no mundo, é injustificável.
Especialmente porque o catolicismo é atacado principalmente onde ele é mais
conhecido : no mundo ocidental, construído graças ao humanismo cristão e no
qual existe um número imenso de obras caritativas dirigidas pelos católicos.
No fundo, a denúncia contra o
monoteísmo surge de motivações ocultas : a defesa de um ateísmo claramente
professado e de uma concepção imanentista e naturalista do humano. Mas como os ‘ateísmos de Estado’ deixaram milhões de
mortos, feridos e escravos, algo que permanece vivo na consciência ocidental,
busca-se então atribuir ao adversário os próprios erros e desgraças. Porém,
«mesmo se nos convencermos de que não existe um Deus perante o qual todos os
homens são iguais, o horizonte do pensamento de Deus é, apesar de tudo, tão
indispensável à consciência humana que ele, ‘esvaziado’ do seu legítimo ocupante, permanece à disposição do
delírio de omnipotência do homem. Alguém ou até algo (a raça, a nação, a
facção, o partido, a tradição, o progresso, o dinheiro, o corpo, o gozo) acaba
por ocupar o lugar deixado vazio por Deus. A revelação bíblica anuncia-o e a
história demonstra-o : o homem hostil ao Deus bom e criador, na obsessão de se tornar como Ele’, converte-se num ‘Deus perverso’ e depravado em face dos
seus semelhantes» (n. 14). E desse ‘Deus
perverso’, que dimana do pecado desde a origem, nada pode vir de bom para a
pacífica convivência entre os homens.
Sendo assim, a radical advertência
perante o uso despótico e violento da religião pertence ao núcleo originário da
revelação de Jesus Cristo. A confissão do fato de que o único Deus se deixa
reconhecer na unidade do supremo mandamento do amor a Deus e ao próximo ilumina
a autêntica fé no Único Deus. De modo que «a unidade indissolúvel do mandamento
evangélico do amor de Deus e do próximo estabelece e confere o grau de
autenticidade da religião. Em toda a religião. E também em todo o pretenso
humanismo, religioso ou não religioso» (n. 17). É nesse mandamento que
reconhecemos Deus, que se torna visível. Em Cristo temos a perfeita revelação
de Deus e nele contemplamos a perfeição do homem que corresponde intimamente a
Deus.’
[i] O documento ao qual se refere esse
artigo pode ser acessado em : http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140117_monoteismo-cristiano_po.html
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.zenit.org/pt/articles/relativismo-religioso-e-totalitarismo-anticristao-ii-parte
Nenhum comentário:
Postar um comentário